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O nosso poder de apresentar novas perspectivas

Eu tinha acabado de acordar no último 8 de março e já estava cansada. Gastei minha cota de sucintos "obrigada" e "para você também" em resposta às felicitações e figurinhas de corações recheados de rosas - ou de rosas explodindo em formato de corações - que recebi logo cedo

Rolei meus perfis nas redes sem parar para ler as séries de homenagens corporativas ou legendas de fotos celebrando conquistas. Já passava do meio-dia quando chegou a única mensagem com a qual me identifiquei: uma amiga me mandou a imagem de uma mulher segurando a placa "I can't believe we're still protesting this shit". Pois é, Brasil, eu também não queria acreditar que em 2022 a gente ainda estava festejando o Dia da Mulher.

Como a maioria das pessoas que conheço, eu nasci e cresci em ambientes machistas, que nada mais eram do que o reflexo da sociedade em que eu estava inserida. E se aos oito anos eu reclamava porque, após o almoço aos domingos, meninas e mulheres tiravam a mesa e lavavam a louça enquanto meninos e homens iam para a sala de TV assistir ao futebol; aos 40 eu ainda me pego explicando que eu não devo "erguer as mãos aos céus e agradecer" o fato de o meu ex-marido ser um "pai presente". Gasto saliva dizendo que a triste realidade de a ausência paterna ser tão comum não pode fazer dessa omissão algo aceitável - ou, para colocar um termo bastante em uso, algo "normalizado". Um pai agir como pai não é razão de comemoração, mas homens que se comportam como o pai do meu filho são enaltecidos por isso rotineiramente. Nós, as mães, somos dignas de aplausos do tipo somente em duas ocasiões: no Dia das Mães e, claro, no Dia da Mulher, quando a pauta "como equilibrar maternidade e carreira" volta para as manchetes - seguindo mais ou menos o mesmo ciclo da polêmica "preço do quilo do chocolate em barra versus preço do quilo do ovo de Páscoa", matéria repetida uma vez por ano, surfando a onda da data. 

É ou não é pra ter preguiça?

Mas, verdade seja dita, eu costumo ter a sorte de esbarrar em pessoas dispostas a me mostrar o outro lado da moeda - e se tem uma oportunidade que eu nunca perco nessa vida é a de tentar ver as coisas com outros olhos, sempre que alguém muito gentil topa me emprestar um pouco os seus. Naquele dia, tive uma reunião com um colega recém-chegado, mas já muito querido, em que falávamos sobre os caminhos pelos quais ele poderia abordar publicamente questões relacionadas a equidade racial. Numa clara - mas na hora inconsciente - transferência, perguntei se ele não se cansava de endereçar, explicar, repetir sempre o mesmo assunto. E ele respondeu: "pode até ser chato às vezes, mas mais do que chato, é importante. Senão a gente só sobe os muros e não constrói as pontes. É necessário". 

Logo depois, recebi uma resposta automática a um e-mail que enviei para uma colega e amiga do México. Em seu aviso de ausência, ela explicava que estava em um protesto pelo Dia da Mulher e compartilhava links úteis para quem quisesse ter mais contexto sobre o movimento de que participava. Na sequência, em nosso canal interno de comunicação por mensagens rápidas, pessoas de diferentes raças, origens e orientações sexuais compartilharam Tweets e textos sobre o Dia da Mulher com todo mundo que trabalha no Twitter no Brasil. E eu lá, o alecrim dourado das maiorias minorizadas, preferindo o deboche ao diálogo desde de manhã.

Me deu vergonha. Até porque eu só me incluo entre as comunidades subrepresentadas por ser mulher. Tirando isso, sou a mais completa tradução do privilégio: branca, hétero, cis, socioeconomicamente favorecida. Mas em vez de levar minhas perspectivas para a mesa e tentar contribuir para reflexões sobre a data, eu estava adotando um comportamento blasé, típico de quem acha que o debate com quem pensa diferente não vale mais a pena. Logo eu, que acredito que boas conversas movem moinhos; que escolhi as palavras como ofício e amo trabalhar onde trabalho porque confio, sim, no propósito de dar às pessoas um acesso mais democrático a informação e expressão, com pluralidade de visões e opiniões; logo eu, que levanto a mão, questiono e sou conhecida por "trazer verdades", mas de forma conciliadora; por que eu sentia que não adiantava mais defender a minha causa?

Ainda não descobri se o desânimo foi fruto de experiências frustrantes vividas no individual ou de aberrações presenciadas no coletivo. Não importa. Em 8 de março de 2022, os olhos das pessoas com quem eu trabalho e que cruzaram o meu caminho no decorrer do dia tinham o brilho de quem acredita no poder da boa influência. Olhos que choraram injustiças e preconceitos que eu jamais estarei sujeita a sofrer, mas que ainda assim veem luz no fim do túnel. E que olharam para mim com a generosidade de quem não desistiu de fazer o outro enxergar o que não está vendo - seja por medo, hábito, preguiça ou só por má vontade mesmo.

Obrigada Rafa, Nub, Camila, Nati, Moni. Obrigada a tantas outras pessoas com quem esbarrei e esbarro, nesses quatro anos de Twitter, e que me emprestam seus generosos olhos quando, por cansaço, esqueço que eu também quero ser parte de uma transformação social. Vocês mudaram a maneira como encerrei meu 8 de março, e mudança é algo que a gente faz um pouco todo dia. 



Ticá Almeida lidera a área de Comunicação do Twitter no Brasil. Durante o período mais crítico da pandemia, assumiu também a coordenação do grupo interno de funcionárias mulheres da empresa, com quem aprendeu muito sobre as infinitas formas de ver e de viver o feminino. É mãe do Dudu que, aos sete anos, leva pratos, copos e talheres usados para a pia depois das refeições. Eduardo já está avisado de que aos oito também passará a lavá-los. 

 

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